Friday, November 04, 2005

História de amor de um homem com Síndrome de Tourette



Acordei com um raio de Sol que entrou pela cortina entre aberta que o descuido teimou em não fechar completamente. Olhei para o lado e lá estava ela, no seu sono, escovei-lhe o cabelo com os dedos descendo pelo seu pescoço até lhe chegar aos ombros. Levantei-me cuidadosamente tentando não perturbar o seu sono, enquanto pensava como é que este bicho do caralho tinha entrado nos meus lençóis.

Joana não era de uma beleza ofegante mas tinha um jeito especial, um modo de me observar que me inquietava e dava calma ao mesmo tempo. Dirigi-me ao espelho esperando que ao observar a minha própria imagem pudesse perceber o que me ia na alma, ler os meus sentimentos… Não consegui. Talvez por me ter dado uma vontade brutal de cagar que mal tive tempo de puxar os boxers para baixo até chegar à sanita.

Sentado, naquele cubículo forrado a azulejo, continuei a pensar se seria Joana a tal, aquela que ficaria comigo para o resto da vida… acendi um cigarro. Dizem que o fumo deturpa a vista mas a mim sempre me pareceu ajudar. Em cada nuvem de fumo que expelia não podia deixar de pensar que mais mulheres tinham passado por mim sem nunca me esperar; sempre correram adiante ou então fui eu que abrandei o passo. Não sei, continuo sem saber porque é que essas putas se rasparam. Talvez não lhes tenha dado toda a atenção… bem já lá vão longe, que se fodam…

Joana, no entanto, parece-me diferente. Como gostaria de saber aquilo que está a sonhar neste momento… SPLASSSHHHHHH! Porra, já encharquei o cú todo!

Apaguei o cigarro e fui tomar um duche, bem quente, como se pede numa fria manhã de Dezembro, e, por momentos, esqueci-me de Joana e do mundo, como se tudo fosse inundado por aquela água que me escorria pelo rosto. Joana apareceu e, devagar, entrou para me acompanhar na nuvem de vapor que me envolvia. Virei-me, olhei-a nos olhos enquanto lhe agarrava firmemente no ombro e sussurrei-lhe “Espera a tua vez, caralho! Tás a pensar que isto é um jacuzzi? Quase nem há espaço para mim!!!”

Ao sair do duche Joana esperava-me com uma toalha para me enxaguar. Não percebi se era mais suave o toque do turco ou das carícias das suas mãos no meu rosto. Beijou-me ou eu beijei-a a ela – por vezes a iniciativa é algo complicado de definir – perdi as horas no abraço que lhe dei enquanto lhe beijava levemente a base do pescoço e pensava como o filho da puta do meu patrão me ia foder o juízo por chegar atrasado.

Deixei Joana a sós e fui vestir-me para mais um dia de trabalho, mais um regresso à rotina, mais um deixar para trás um sonho, um amor, uma mulher para cair na realidade a que o mundo nos obriga. Apertei a gravata como se de uma forca se tratasse enquanto ouvia Joana a cantar, no duche, acompanhada pela melodia das gotas de água. Gritei-lhe “Pahhhh!!! Vou-me pôr nas putas”, Joana respondeu “Adeus! Depois falamos…”

Não sei se falaremos e, se falarmos, se Joana será de facto a tal… Muitas das vezes dou comigo a querer acreditar em coisas nas quais não deveria acreditar. Talvez seja ingenuidade ou talvez apenas um modo de, mesmo por breves momentos, me sentir mais feliz nesta merda de vida que levo.



Qualquer semelhança com a realidade de algum dos leitores é mera coincidência.

Sejamos sérios!
Serra

2 Comments:

Blogger RA said...

Brilhante Serra! Brilhante! Mas não fosse o síndroma e ía resvalar um bocadinho para o poético, vendo-se o Serra obrigado a auto-autuar-se!

3:00 PM  
Blogger Teresa said...

Surpreendente! :)

Gostei particularmente desta parte:
"(...) mais mulheres tinham passado por mim sem nunca me esperar; sempre correram adiante ou então fui eu que abrandei o passo. (...)"

É bem verdade que os homens julgam que são 'aceleras', mas são sempre as mulheres que andam mais depressa...

3:54 PM  

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